A ideias continuam a me vir,
A me incomodar,
Vibrações de origem indeterminada na parede do prédio
Que me acordam de madrugada
(a bomba da caixa d´água, o ar-condicionado do vizinho, um abalo sísmico?),
Moscas da sopa do Raul,
Daquelas que não adianta nem se dedetizar,
Pois se matamos uma,
Outras vêm em seu lugar.
As ideias continuam a estuporar
A vir a furo,
Furúnculos sebosos,
Cogumelos no esterco,
Miomas,
Embriões bastardos,
Parasitas sanguessugas
Na chocadeira do meu cérebro :
Prenhe de ideias chocas, o meu cérebro.
Prenhe de ideias chocas, o meu cérebro.
Mas se a cabeça é o útero das ideias,
A mão é que é a parteira
(as ideias precisam de cesariana, fórceps e de muita benzeção com arruda para saírem ao branco do papel).
E a minha, há tempos, se mostra enfastiada
(de calos cansados e articulações tortas e nodosas)
Em bater na bunda
E fazer chorar ao mundo novas ideias,
Desinteressada em curar novos umbigos.
A velha parteira perdeu o gosto e a fé.
A "madama" só quer se sentar à sua varanda e ao sol,
Pitar seu cigarrinho de palha
E tomar sua pinguinha de alambique.
(ideias - mais ideias -, para quê? As natimortemos.)