Sou um apreciador de piadas. Tenho até uma vasta e sortida coleção mental delas, um bom cabedal de chistes. Não tenho, muitas vezes, aliás, quase nunca, a teatralidade necessária para contá-las, mas guardo um bom arquivo delas em minha memória.
Sou um apreciador de piadas. Mas não dessas mais moderninhas, já encabrestadas por pruridos e melindres morais, sociais e ideológicos, não desse humor do tipo Casseta e Planeta, Porta dos Fundos, comédia stand-up, embora muitos deles apresentem bons textos, boas sacadas e contem boas histórias. Gosto de piadas A Praça é Nossa.
Gosto de piadas das antigas. De piadas de salão. De piadas sem marca ou grife desse ou daquele humorista. De piadas criadas pelo inconsciente coletivo, pela "sabedoria" popular, de domínio público, de autoria desconhecida, transmitidas oralmente de geração pra geração, piadas muitas vezes chulas e grosseiras, sem pretensão nem refinamento. De piadas que são contadas no bar, no intervalo do cafezinho, na zona, no velório.
Gosto de piadas que não têm nenhum preconceito em relação ao tema tratado, ou seja, de piadas que são democraticamente desrespeitosas com tudo e com todos. De piadas que avacalham e esculhambam do português ao judeu, do baiano ao judeu, do comunista ao militar, da puta à freira, da bichinha ao machão.
Piada boa é piada que faz rir. Automaticamente. De bate-pronto. Em arco reflexo. Que faz a gargalhada jorrar sem freios, sem dar tempo de freá-la, impossível de ser contida, que nos escapa feito um soluço, um espirro.
Piada que nos dá tempo de pensar antes de rirmos, ou que requer um tempo de processamento, por melhor que ela seja, não é piada; é uma história engraçada, jocosa, tão-somente.
A boa piada é a que nos pega de surpresa, de supetão, de fim e desfecho insuspeitados. É o inesperado, é o inusitado que gera o riso autêntico, o riso convulso e gutural, o riso que vem do fígado, não do cérebro. Por isso, é preciso ser dono de um autocontrole muito grande para não rir, a exemplo, quando alguém tropeça ou escorrega e se estabaca no chão na nossa frente. O inusitado.
Nesse aspecto, há tempos uma piada não me surpreendia. Até porque, como eu disse, guardo de memória um amplo arsenal delas, e também porque muita piada com cara de nova nada mais é que uma variação, uma adaptação de piadas clássicas, de forma que o fim já se adivinha mal ela começa a ser contada.
Hoje, porém, uma piada - rápida e rasteira, curta e grossa - me pegou desprevenido, de calças curtas. Sabadão. Geralmente, vou a uma padaria, a duas quadras de onde moro, para pegar lá uma meia dúzia de pãezinhos. No balcão do caixa há sempre toda uma sorte de folhetos e panfletos, propagandas de outros estabelecimentos comerciais do bairro, ofertas de prestações de serviços e outros que tais. Um desses panfletos, na forma de um livrinho sanfonado e comprido com oito páginas, é um informativo de nome "Divirta-se", distribuído gratuitamente e que traz um roteiro cultural da cidade para a próxima semana - a programação de cinemas e teatros, festas e eventos musicais, sugestões de bares e restaurantes, opções de lazer ao ar livre etc.
Dentro desse etc, há uma sessão de humor, com três ou quatro piadinhas pra lá de batidas. Apesar disso, sempre as leio, mais para refrescar a memória que para tirar o pó e as teias de aranha do riso. São piadas que se prestam mais à lembrança do quanto rimos delas à primeira audição do que ao riso de fato. E as três primeiras do folheto de hoje, enquadravam-se justamente nessa categoria. A última, no entanto, a mais curta delas e relegada quase ao anonimato do rodapé da página, trouxe-me o inusitado. E o riso. Ri sem pensar. Ri alto ainda à saída da padaria, na calçada a esperar o semáforo ficar vermelho para os carros. Ganhei o dia. E uma nova aquisição para a minha piadoteca, o sadomasoquismo judeu.
"O Isaac chegou na zona, escolheu uma puta e foi logo perguntando:
- Quanto é?
- 100 reais - respondeu a puta.
- E com sadomasoquismo?
- É para você me bater ou para apanhar? - quis saber a puta
- Pra eu te bater!
- E você bate muito?
- Só até você devolver o dinheiro!"