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Channel: A Marreta do Azarão
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Canavial de Rola

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A nova onda agora - ou a nova tendência, como diriam os afrescalhados de plantão - são os livros de colorir para adultos. Pããããta que o pariu!!! Uma das obsessões mais antigas e ininterruptas da humanidade é a busca pela eterna juventude. Que não me deixem mentir os alquimistas e seus elixires da longa vida, Ponce de León e sua fonte da juventude e todos os cirurgiões plásticos podres de rico às custas de bundas, peitos e rugas alheias. Mas de uns tempos pra cá, a busca nem é mais pela eterna juventude, é pela eterna primeira infância, no máximo, pela eterna puberdade, é a busca pela eterna idiotização; ser idiota, hoje, é sinal de juventude. Que me sequem os bagos e me caia a benga se livros para adulto colorir não são um cabal exemplo do que falo.
Segundo os editores, o objetivo de tão alta literatura - com motivos e temas claramente voltados ao público feminino, ou aos de "alma feminina" - é o de relaxar e desestressar, de aliviar a tensão que se abate cotidianamente sobre a mulher moderna, independente etc etc. É o chefe mal-humorado, é a hora de almoço corrida, é a reunião na escola do filho, é o papanicolau, são "aqueles dias", quem é que aguenta? E depois ainda ter que cuidar um pouco da casa, zelar minimamente por seu próprio lar? Ora, onde já se viu? O negócio, mulher moderna, é chegar em casa e ir pro facebook, curtir e ser curtida, é ficar no WhatsApp e, agora, uma opção mais intelectual às duas citadas : livros de colorir para adultos. Os títulos são os mais variados, Jardim Secreto, Floresta Encantada, Arte como Terapia e outros. Mas o melhor é o subtítulo : livro de colorir e caça ao tesouro antiestresse. Devo admitir, esses picaretas têm as manhas de ganhar uma grana em cima dos idiotas. A mulherada aderiu e tá comprando a novidade a rodo.
Chegou em casa estressada, minha senhora? Pois chegou a solução para os seus problemas : pegue seu livro de colorir e caça ao tesouro antiestresse e vá pintar florzinhas, borboletinhas, passarinhos, soizinhos sorridentes, joaninhas, centopeias e caracoizinhos. Lápis de cor, giz de cera, guache, canetinha hidrocor Silvapen, pintura a dedo, aquarela... dê asas à imaginação, minha senhora, desligue-se do mundo, esqueça da vida.
Ora, minha senhora, vá à merda!
Vá tirar um pó dos móveis, que, dentro em breve, expedições paleontológicas baterão à sua porta a pedir permissão para escavar sobre a sua mesa da sala, em cima dos armários da cozinha, em cima da geladeira.
Vá cozinhar um feijãozinho, refogar um arroz, cozer uns legumes no vapor, pensar numa mistura diferente ao invés de ficar se entupindo de marmitex, lanches, miojos e outro industrializados.
Vá lavar um banheiro, minha senhora, que, não demora muito, ônibus de excursões de romeiros à Aparecida do Norte começarão a estacionar em sua porta, confundindo-a com algum sanitário de rodoviária.
Vá regar as plantinhas, minha senhora, que até o cacto tá morrendo de sede, até o cacto tá pedindo transferência pro deserto do Saara, minha senhora, em busca de novas opotunidades e melhores condições de vida.
Vá arrumar a cama, minha senhora, passar um pouco de roupa, organizar as gavetas das calcinhas, vá arejar um pouco essa Disneylândia para ácaros e traças que são seus armários e guarda-roupas.
Vá lavar uma louça, arear uma panela, pare de fazer experimentos de geração espontânea em sua pia, de querer fazer com que novas formas de vida brotem de por entre seus pratos e talheres.
Vá fazer uma chupeta pro marido, minha senhora, que nem só de cerveja vive o homem, e, aproveitando que o assunto veio à baila, libere o cuzinho de vez em quando, também.
Ficar pintando arco-íris, coqueiros e gaivotas, minha senhora? Ora, vá à merda!
E tudo isso porque ontem acabei indo a um dos shoppings centers da cidade, minha esposa precisou lá de um produto de informática e só os shoppings abrem aos domingos.
Porém, antes de seguir com o assunto livros de colorir e de caça ao tesouro antiestresse, um parêntese : há anos que eu não pisava em um shopping center, ambiente que tanto desprezo, e a coisa está ainda pior. Antes, pelo menos, quem frequentava os shoppings era um povo mais bonito, mais bem-arrumado, um pouco mais bem-educado; hoje, pelo que vi ontem, a hedionda classe C tomou-os de assalto, apossaram-se de suas praças de alimentação - que pobre em shopping só tem dinheiro mesmo pra comer -, montaram acampamentos do MST nos MacDonalds e Burger Kings da vida. Os shoppings viraram uma 25 de março com ar-condicionado. Fim do parêntese.
Voltando aos livros de colorir e de caça ao tesouro antiestresse, já indo embora do shopping, passamos por uma livraria cuja vitrine estava repleta deles. Outro parêntese : livraria, não, que agora é megastore, que é aquele lugar em que o intectual sensível e delicado vai para tomar o seu espresso, cruzar as perninhas e ficar com um livro aberto na mão, fazendo pose, lendo porra nenhuma. Fim do parêntese.
À vista daquele incentivo para o surgimento de novos Picassos, Portinaris, Cézannes, Matisses e Van Goghs, minha esposa comentou que algumas de suas colegas de trabalho aderiram à pintura antiestresse e, sabendo que eu trabalho em ambiente predominantemente feminino, estranhou que eu não conhecesse os tais livros, que eu nunca os tivesse visto nas mãos de alguma companheira de lida. Realmente, era a primeira vez que via um exemplar de tão importante marco editorial, disse à minha esposa. Disse também que as mulheres do meu local de trabalho, pelo menos as com quem tenho mais contato e melhor relacionamento, não têm dessas frescuras, não. A diversão delas é ficar mandando whatsapp com foto de pinto uma para a outra. Noventa por cento dos whatsapps enviados entre elas é de foto de benga. É rola que voa pra todo o lado no cyberespaço. Eu até ando de cabeça baixo quando elas estão perto, para evitar que algum tarugo me atinja a testa.
Eu e minha boca grande. Eu poderia, simplesmente, só ter respondido que nunca vira daqueles livros em mãos de minhas amigas, mas quis fazer graça. E me fudi. Fui posto a par por minha esposa - informação obtida por uma colega de trabalho dela que pesquisou o assunto com grande afinco - de que também há livros de colorir e de caça ao tesouro antiestresse direcionados a esse público-alvo, àquelas que são mais afeitas a uma carne cheia de nervos do que à singela flora e à pequena e mimosa fauna dos jardins. Que havia um livro chamado A Floresta de Rola. Imediatamente, totalmente contra a minha vontade, um imenso ecossistema equatorial formado por bengas de tudo quanto é tamanho e espécie me veio à mente. Uma Amazônia de caralhos. De uma hora para a outra, passei a ser a favor do desmatamento.
Comigo ainda zonzo e incrédulo, minha esposa corrigiu-se, equivocara-se quanto ao nome, não era Floresta de Rola, não. Era Canavial de Rola. Pãããta que o pariu!!!
Canavial de Rola!!! Parece nome de novela mexicana que passa à tarde no SBT, depois do Casos de Família. Canavial de Rola!!! De uma hora pra outra, passei a ser um franco defensor das queimadas.
Sem duvidar de minha esposa, mas sem poder acreditar no Canavial de Rola, fui à internet e lá estava o tal, um latifúndio de bilaus, um plantation de bráulios.
Sempre atento e zeloso para com meu público feminino, deixo aqui minha dica literária do mês. Comprem, meninas, e mãos à obra. Pintem como eu pinto.
O livro é um "lançamento" do site Kibeloco.

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